A mídia está em crise: redações em todo o mundo estão fechando e a própria profissão de jornalismo está sob ataque ideológico e físico constante. A liberdade de imprensa é uma doutrina sem efeito se a única mídia de notícias é escrita ou publicada por indivíduos com fontes independentes de riqueza que não precisam ser pagos por seu trabalho.
Para onde foi o dinheiro da mídia? É complicado.
Como as empresas de notícias deram um tiro na cara
Comecemos pelos próprios veículos de notícias. Na época em que os computadores pessoais chegavam aos escritórios em casa e aos quartos das crianças, a mídia jornalística passou por uma forte onda de consolidação, começando com a desregulamentação dos mercados financeiros pelo governo Reagan e, mais tarde, a Lei de Telecomunicações do governo Clinton, que retirou as já fracas restrições à consolidação da mídia.
À medida que os meios de comunicação de todo o país se fundiam, cadeias nacionais tomaram o lugar dos proprietários familiares. Aumentaram preços e demitiram repórteres, recorrendo a serviços de telefonia e correspondentes em toda a cadeia para assuntos de interesse nacional. Eles também demitiram vendedores focados localmente, consolidando vendas de anúncios classificados e gráficos para centros de representantes nacionais. Venderam seus prédios, prensas e redes logísticas, alugando-os de volta. Esses cortes renderam dividendos aos investidores das redes, dividendos que foram aumentados pela liquidação das reservas de caixa dos jornais e dos fundos de contingencia.
Assim, os jornais já estavam enfraquecidos e frágeis quando a publicidade online surgiu. Embora os jornais tivessem resistido ao advento do telégrafo, do telefone, da televisão, do cabo e dos satélites, eles foram devastados pelo surgimento dos sites de classificados de publicidade, de Craigslist a MSN.
Sem reservas de caixa, dívidas pesadas, um produto genérico que enfatizava notícias e correspondentes nacionais atendendo dezenas de veículos que se diziam jornais "locais", a mídia não tinha para-choque e o impacto bateu forte.
Um escritório de vendas nacional que os comerciantes ligam para colocar anúncios faz sentido quando você é o única opção para alcançar clientes locais, mas quando sites locais surgem para oferecer publicidade mais barata, a equipe de vendas nacional de pessoas que ficam esperando para receber pedidos e números de cartão de crédito não vai sobreviver. Se ao menos os donos das empresas dos jornais não tivessem demitido os vendedores de rua que trabalhavam nos comerciantes locais há décadas...
Além disso, vender e depois alugar toda aquela planta física expôs os jornais a choques de aumentos de aluguel e inflação.
A financeirização da mídia a enfraqueceu, e o setor financeiro continua a sugar a imprensa, com ondas de endividamento e agregamento das empresas de investimentos de capital que reduzem as grandes redações que ocuparam os icônicos arranha-céus da Deco para alguns repórteres mal pagos que trabalhavam em um bloco de concreto remoto do tamanho de um pequeno restaurante.
Entre as Grandes Empresas de Tecnologia, adquirindo compulsivamente as Pequenas Empresas de Tecnologia
A consolidação orientada pelas finanças foi além do setor de mídia. As empresas que chamamos de "Big Tech" – Google, Apple, Microsoft, Meta, etc. – alcançaram sua escala e alcance principalmente por comprar seus concorrentes em potencial, não inventando novas tecnologias que sejam tão incríveis que vençam a concorrência.
É o caso do Facebook, cujo fundador, Mark Zuckerberg, disse candidamente a seus executivos: "É melhor comprar do que competir", antes de comprar Instagram e WhatsApp, entre dezenas de outras empresas. A Apple compra empresas com mais frequência do que a maioria de nós compra mantimentos.
O Google é uma empresa que tinha uma inovação genuína – um mecanismo de busca de primeira linha – e depois usou seu acesso ao mercado de capitais para comprar uma empresa de compartilhamento de vídeos; uma empresa de sistemas operacionais móveis; muitas, muitas empresas de tecnologia de anúncios, uma empresa de mapas, uma empresa de compartilhamento de documentos, etc. Notavelmente, os próprios produtos internos do Google têm sido uma sequência quase ininterrupta de fracassos, com as principais exceções sendo uma cópia do Hotmail da Microsoft e um navegador baseado no antigo motor navegador da Apple.
E ainda há a Microsoft, uma monopolista condenada com sua própria longa lista de aquisições, uma lista que cresce a cada dia.
Essas empresas converteram a rede em "cinco sites gigantes cheios de capturas de tela dos outros quatro", substituindo o sonho da "desintermediação " por uma nova oligarquia de interlocutores de acesso. Juntas, essas empresas manipularam o mercado de anúncios, o mercado de aplicativos e o mercado de mídias sociais.
O resultado é um sistema que não agrada a ninguém – exceto aos acionistas dos monopolistas de tecnologia.
Os anúncios custam mais e as empresas de mídia recebem menos por eles. Metade de cada dólar de anúncio é devorado por intermediários de tecnologia. Claro, as empresas de mídia podem mudar para um modelo de assinatura – e entregar 30 centavos de cada dólar em "impostos da loja de aplicativos" cobrados pelo duopólio móvel. As empresas de mídia podem tentar ir direto para seus leitores nas mídias sociais, mas a única maneira de alcançar seus assinantes em grandes plataformas é pagar para " impulsionar" seu publicações, caso contrário, elas serão ocultadas dos usuários que pediram explicitamente para vê-las.
Tudo isso para impulsionar um sistema que nos espiona, nos prende, nos maltrata e nos trapaça.
Algo deve ser feito! (Não, Aquilo não)
É obvio que algo tem de ser feito. Uma imprensa livre é um componente-chave de uma sociedade livre.
Mas só porque algo deve ser feito, não significa que devemos fazer qualquer coisa.
O problema da mídia é que a tecnologia está roubando seu dinheiro, em grandes mordidas – 50% de taxas sobre tecnologia de anúncios , 30% de taxas sobre lojas de aplicativos e, além disso, tendo que pagar resgate para alcançar seus próprios assinantes, pessoas que pediram às plataformas mostrar tudo o que tinha a dizer.
E, no entanto, a própria solução padrão das empresas de mídia – proposta em países de todo o mundo, incluindo o projeto de lei "JCPA" nos EUA – é cobrar um "taxa dos enlaces" " sobre menções das plataformas de tecnologia à notícia. Essas leis, também chamadas de "códigos de negociação", partem do pressuposto de que permitir que o público publique links para as notícias, ou indexar notícias, é uma prática comercial desleal.
Mas isso está errado. Há muitas coisas erradas em como o setor de tecnologia trata o setor de mídia, mas vincular a notícias é bom. Hospedar discussões dos usuários sobre as notícias é bom. Ninguém tem o direito de controlar quem pode vincular ao seu site ou discutir seu conteúdo. Além disso, se não pode falar sobre a notícia, não é a notícia . Notícias sobre as quais não pode falar? Isso é chamado de "segredo".
Essas taxas sobre enlaces são ruins para a imprensa e são bons para a tecnologia. A tentativa da Austrália - um "código de negociação de notícias" - é sem dúvida a mais bem-sucedida dessas tentativas, e é um caso indefinido em termos de sucesso. Quando o governo da Austrália ameaçou as Big Tech com arbitragem obrigatória se não chegassem a acordos com empresas de mídia , Google e Facebook fizeram negociações - ambos o império do Rupert Murdoch de jornais de e um grupo de dezenas de jornais menores foram pagos.
Mas os acordos em si estavam envoltos em segredo. Tanto os montantes globais como a repartição por jornal não são de conhecimento público. Embora isso permita que tanto as empresas de tecnologia quanto as empresas de mídia reivindiquem o sucesso, ninguém mais pode saber o que significa "sucesso". Por exemplo, isso significa que os jornais menores tiveram uma parcela por leitor muito menor do que os jornais de Murdoch, mas decidiram que algo era melhor do que nada?
Além disso, a lei australiana - aprovada, mas nunca posta a prova, serviu como ameaça que trouxe as empresas de tecnologia à mesa - incluiu a possibilidade que as empresas de tecnologia seriam obrigadas a veicular o conteúdo dos jornais. Em outras palavras, o Facebook ou o Google não teriam permissão para simplesmente retirar conteúdo de notícias de jornais com os quais não pudessem chegar a um acordo. Embora isso certamente dê aos jornais mais poder de negociação, também constitui uma forma de discurso obrigado, onde Facebook e Google tem que veicular conteúdo mesmo que se oponham a ele. Isso prejudicaria seriamente a capacidade das plataformas de se envolverem em outros tipos de conteúdo benéfico de notícias, como remover ou reduzir a desinformação ou a artigos intencionalmente inflamatórios.
Os arquitetos do código de negociação de notícias da Austrália dizem que não é uma taxa sobre o enlace. Em vez disso, as plataformas estavam apenas sendo obrigados a negociar voluntariamente ou se não ter seus negócios decididos por um árbitro, com as empresas de notícias sendo autorizadas a se formar unidades de negociação coletiva. É verdade que estes não se somam a uma taxa sobre o enlace por si só, mas quando adiciona a ameaça de "deve veicular", então aparece como taxa sobre o enlace. Não há muita diferença entre "você deve veicular esses enlaces , e você deve pagar por eles" e "você deve pagar para veicular esses enlaces".
Não somos fãs que é o governo que manda veicular, publicar ou disseminar discursos, e embora a tradição constitucional australiana possa permitir tal ato, qualquer tentativa de fazer isso nos EUA entraria em conflito com a Primeira Emenda. Mesmo que goste do resultado na Austrália, não poderia fazer a mesma coisa nos EUA, onde o discurso forçado é ilegal.
Na França, a proposta de taxa sobre enlace levou a um acordo que exige que a mídia opte pelo Google Showcase, um produto pouco conhecido do Google que foi conhecido nacionalmente por ser adotado pelos principais meios de comunicação franceses.
No Canadá, a ameaça de uma iminente taxa sobre enlaces convenceu as plataformas de tecnologia a pagar "voluntariamente" ao Toronto Star, o jornal de maior circulação do Canadá, uma taxa de licença. O jornal imediatamente encerrou a publicação da sua excelente e altamente crítica série investigativa sobre Big Tech.
O que deve fazer
Algo deve ser feito sobre a maneira como a tecnologia abusa da imprensa – mas o que não deve depender do domínio exercido pela tecnologia. Não deve fazer com que a imprensa fique presa a um setor de tecnologia assombrado por escândalos que precisa desesperadamente do escrutínio de jornalistas investigativos. Não deve consagrar o domínio dos barões ideológicos da mídia ou dos abutres capitalistas que invadiram os mercados nacionais de mídia, devorando e destruindo os veículos regionais.
Seja que for que façamos sobre a tecnologia e a imprensa, a tecnologia se deve tornar mais fraca. A solução deveria beneficiar os jornalistas independentes e pequenos veículos tanto quanto as grandes empresas de mídia. Não deve depender de vigilância, nem de gigantescas e abusivas empresas de mídia social se sobrepondo às preferências de seus usuários.
Nesta série, apresentamos quatro propostas para consertar o problema com tecnologia e mídia que atendem todos esses critérios. Uma dessas propostas já está por aí, tramitando nas legislaturas; outro já passou a ser lei, e aguarda ser implementado; um foi repetidamente derrubado por lobistas corporativos, e um é uma ideia nova que acabamos de pensar.
Publicaremos um por semana durante as próximas quatro semanas e, em seguida, reuniremos todos eles em um único PDF de "relatório" adequado para enviar por e-mail ao seu membro do Congresso. ou apenas aquele amigo que está (com razão) preocupado com a forma como a tecnologia está prejudicando a imprensa, mas está (erradamente) convencido de que a única maneira de consertar isso é para criar um novo pseudo direito autoral sobre enlaces para a imprensa e clipes pequenos e manchetes.
Aqui está o que temos por vir:
- Desagrega o setor de tecnologia de anúncios: a Lei AMERICA do senador Mike Lee forçará as maiores plataformas de tecnologia de anúncios, incluindo as do Google e Meta, a se dividirem em pequenas empresas independentes concorrentes. De acordo com a Lei AMERICA, uma única empresa não poderá operar simultaneamente um mercado de anúncios e representar tanto os compradores quanto os vendedores no mercado. Se quer saber como o setor de tecnologia de anúncios consegue reivindicar metade do dinheiro gasto em anúncios, não procure mais do que essa estrutura de mercado obviamente abusiva.
- Aprovar uma lei de privacidade abrangente: os Estados Unidos estão muito atrasados para uma lei de privacidade real e nacional. Tal lei efetivamente proibiria a " publicidade comportamental" impulsionada pela vigilância (se as empresas de tecnologia só pudessem espioná-lo com seu consentimento, elas não seriam capazes para espioná-lo, porque quase ninguém realmente consente com a vigilância ). Proibir anúncios de vigilância tornaria os "anúncios contextuais" (baseados no conteúdo de uma publicação, não nas características de determinado usuário) muito mais atraentes. Os anúncios de contexto são muito mais difíceis de serem capturados pelos gigantes da tecnologia — afinal, uma empresa de tecnologia pode saber tudo sobre o histórico da web e as compras recentes de um leitor , mas ninguém sabe mais sobre uma publicação do que sua editora.
- Abra lojas de aplicativos: o duopólio móvel da Apple (iOS) e do Google (Android) tira 30% de cada dólar gasto em um aplicativo. A Apple proíbe lojas de aplicativos de terceiros, enquanto o Google apenas se envolve em um conjunto de truques sujos para mantê-los à distância. A Lei dos Mercados Digitais da UE tornará a escolha de outra loja de aplicativos uma simples questão de alguns cliques. Nos EUA, o Open App Markets Act foi projetado para fazer o mesmo. A concorrência reduzirá o imposto da loja de aplicativos – se as redes de cartão de crédito puderem processar um pagamento de 2% a 5%, uma loja de aplicativos também pode.
- Entrega de ponta a ponta: O princípio básico do desenho da internet é "de ponta a ponta" - a ideia de que os intermediários devem se esforçar o máximo para entregar dados de remetentes dispostos aos destinatários dispostos. Trazer esse princípio para as mídias sociais e webmail significaria que as empresas de mídia poderiam ter certeza de que seus assinantes veem tudo o que postam e acabar com a prática de obrigar os assinantes a pagar tipos de resgate.
Cada uma dessas propostas é focada em pagar mais a todos os serviços de notícias, sejam independentes ou corporativos, com suporte a anúncios ou baseados em assinatura. Eles são projetados para enfraquecer a Big Tech, não torná-la mais forte. Eles garantem que as empresas de mídia sejam independentes da tecnologia e capazes de investigar irregularidades nas empresas de tecnologia sem arriscar seus resultados, ao irritar um gigante da tecnologia que "negocia" com eles pagamentos de licenças que pagam os salários dos repórteres.
Acima de tudo, servem ao usuário, ao público das notícias. Eles não criam um novo direito de decidir quem pode falar sobre as notícias. Eles proíbem a espionagem. Eles garantem que você veja o que você pede para ver. Eles permitem que você escolha qual software deseja instalar em seus dispositivos.
A mídia e os consumidores de notícias são aliados aqui. As notícias não exigem e não devem exigir conluio com monopolistas de tecnologia, nem vigilância em massa, nem fechaduras digitais.
Há uma maneira de melhorar as notícias e tornar a tecnologia melhor. É isso que vamos trazer nas próximas semanas.